domingo, dezembro 20, 2009

Memórias de alguém



Já vou. Sei lá onde estou, não sei pr'a onde vou, só sei que já vou. Já vou.
Sublinha-me as partes não ditas mais importantes. Desfaz-te em mim quando entras incontornável, com esse caminhar sujo de lama triste das poças que, sem querer, pisaste lá fora.
Dá-me janelas entreabertas de Lisboa.
E chegavas de correio na mão, com esse cheiro a chuva livre, e os teus passos eram como um maestro que esculpia harmonia por cada cantinho.
Muitas vezes, olhavas-me da cama preguiçosa, embrenhado num silêncio matinal, como se nunca me tivesses visto, como se fosse uma estrangeira na tua não-rotina, enquanto que eu, mergulhada na tua camisa amarrotada dizia bom dia à vida da varanda acolhedora do nosso quarto, com um café morno entre as mãos da noite anterior. Franzias o sobrolho, fazia-te confusão o meu desiquilíbrio ao caminhar. As minhas mãos pintadas. E acho que muitas vezes te questionavas o que seria que te devolvia no final de cada dia a mim. E acho que nunca encontraste resposta. Eras alto, silhueta cuidadosamente delineada, com um sorriso nascido do Sol, pele carioca, teus braços meu refúgio e a minha paz no limiar do teu olhar. Todas as manhãs eram novas, uma ponte atravessando o nada, todas as manhãs eram estrelas intemporais, eram um abrir de janelas para o conforto do teu ser. Todas as manhãs extinguia-me no teu peito, estrela cadente.

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