sábado, novembro 27, 2010

terça-feira, novembro 23, 2010

Estou aqui e sei o que se revolve debaixo do chão, é mundo nosso, sei das cordas e das notas que mendigam, sem casa, e não sabem das suas mãos.  

segunda-feira, julho 12, 2010

Bilhete azul 111

 Sóis verdes existem de verdade falcão. E sendo assim, nada é impossível.

quarta-feira, julho 07, 2010

Nº53



















"... a felicidade, tal como o sucesso, também se constrói. Mas com outras «ferramentas». A primeira, com «armas» bem mais simples e ao alcance de todos. E esta é uma boa notícia. Ser HAPPY depende do nosso estado de espírito e da forma como interiorizamos aquilo que nos acontece, aceitando também as emoções negativas (medo, ansiedade, tristeza... ), como parte do bolo de que somos feitos. A capacidade de simplificar e de tirar partido de pequenas coisas  da vida como estar com os amigos, saborear um pôr-do-sol na praia, sentir o entusiasmo que os nossos filhos põem num concerto de rock e sentirmo-nos gratos por termos estes pequenos «mimos» que dão sabor à nossa vida... Acredito que o maior equívoco que cometemos é procurar a felicidade no lugar errado. E esquecermo-nos que a felicidade é contagiante. Como dizia a actriz Sharon Stone numa entrevista, um dos exercícios que faz, para manter o seu lado HAPPY, é afastar-se de pessoas «tóxicas», que nunca estão satisfeitas com nada, nem com ninguém... E procurar conviver com pessoas alegres. "
 Carla Ramos, Directora, in Happy Woman nº53 Julho 2010.

Today must be a happy day

se foram os recortes e as frases happy. É preciso reabastecer o stock. Porque é que eu compro revistas que são happy, simplesmente porque são happy, não tanto pelo conteúdo, não obrigatoriamente para as ler, mas sim pelo HAPPY a negrito na capa, para depois chegar a casa e desatar a recortá-las todas, numa composição toda happy? Have no ideia, é um ritual que me inspira.


Portanto, e por isto mesmo, vou sair agora de casa, comprar a revista Happy, e gritar para mim mesma:

!!!

terça-feira, julho 06, 2010

Os espantalhos também sonham

O vento dá-me vida, mas não me dá o que quero. Queria ser pássaro e assim poder morar nas nuvens. Queria ser voo, mas o vento não me leva com ele. O meu nome é... espantalho. Desculpem a hesitação é que não sei quem são meus pais, logo não sei o meu nome,  de vez em quando espanto pardais e afago borboletas, gosto de pensar que o mar e o céu me adoptaram, afinal são os que preenchem o meu horizonte dia após dia... Penso para mim às vezes baixinho, que se calhar, com muita sorte, ainda sou parente de alguma árvore; tão majestosas e serenas... quietas. Só não espantam é nada, a não ser pela beleza. Pela beleza que é óbvia, árvore, casa de ave, santuário da liberdade, do chilrear, palrar, tagarelar, ai amar o mundo com duas asas! E comigo não é assim. O meu nome é espantalho. Espantalho é nome que se tenha? O nome, supostamente, devia-nos identificar, fazer com que sejamos reconhecidos, respeitados. "Olha lá vai o espantalho!", digam lá,  se isto tem ponta por onde se lhe pegue? O meu nome é espantalho, sim, e tenho um saco de batatas a servir de camisola, uma fita de plástico no cabelo, um chapéu de palha pardacento, o meu corpo são duas tábuas de madeira cruzadas, tipo cruz (que apropriado), rígidas, ásperas, cheias de pregos que me fazem comichão, e a fita de plástico todo o dia "chhhhhhhhhhhh chhhhhh", a chiar a chiar, a afugentar tudo. E sendo assim, já nem profissão tenho. Uma fita de plástico, com menos de dez centímetros, faz melhor o meu trabalho. Espantar espantar espantar. Diz-se que se dissermos algo que queremos muito muito muito, alto e três vezes, concretiza-se mais rápido... Mas eu sou assim, um espantalho que não gosta de espantar, que não gosta do silêncio da tarde e da noite (ao amanhecer os pássaros acordam-me com música)... Que não gosta de estar vinte e quatro horas por dia parado, no mesmo sítio, sem poder mexer um dedo. Oh, mas sabem lá vocês de espantalhos. Os espantalhos sonham, e sorriem, e também se sentem tristes, apaixonados, com medo, os espantalhos também sentem! E mentem... Os espantalhos têm alma, ouviram? Ah, e sim esqueci-me de confirmar, os espantalhos também falam. Espantalhês, claro. Como correr atrás do que quero, se nem pernas tenho? Como querer abraçar alguém, se as minhas mãos são farripas e os meus braços têm pregos ferrugentos por todo o lado? Como amar? O mundo a vida as cores a correria a família... Queria ser como o baloiço e parar o tempo. Inclinar-me para trás e não cair. Esticar-me para a frente e tocar com a pontinha dos dedos dos pés no mar, depois no pôr-do-sol, depois no céu, depois nas nuvens...
O meu nome é espantalho e o meu sonho é viver.
I'll take care of you, take care of you, that's true...

Beach House Beach House Beach House (:

segunda-feira, junho 21, 2010

Varinha e outras coisas de condão

Olhei, mas o despacho do conclave de estrelas só me tinha trazido azul.
Um azul-boião, azul de garrafa, azul de margaridas brancas ao soltar o cabelo; na incongruência do vento parado.

domingo, junho 20, 2010

Caixinha de costura

Na caixa dos enfeites de Natal, nas cartas salgadas, nos miminhos feitos de papel, nos papagaios entrelaçados, nas toalhas de praia ainda tímidas, nos cd's, no pó dos cd's, nos elefantes de madeira, no gira-discos, na lareira, nos pacotinhos de chá do armário velho, no chapéu de sol, nos poemas guardados dentro da cabeça e depois rescritos dentro da alma, estamos nós.

sexta-feira, junho 18, 2010

Mar à vista

-Então adeus Ana.

Já? Quase um ano. Um ano de conversas, velas desfraldadas como dobras de um mapa, quando o vento soprava, de um barco pirata sem destino. Eram os meus ténis que me levavam pelas ruas entardecidas de memórias, o céu algodão doce por cima de mim, as paredes brancas a sussurrarem-me histórias enjaneladas, subir as escadas, depois voltar a desce-las de forma desigual. Tecer passos no corrimão, o ranger da madeira, acender a luz dia sim dia não. Saber que não sei o caminho, mas saber que o sei, saber que a camionete pára às horas certas na rua grande. Atravesso a estrada, paro. Atravesso o outro lado da estrada não paro e corro. O meu lenço corre atrás de mim, de longe devo parecer um melro negro à caça. A rua pequenina, os prédios de cores sonolentas, passo pelo café dos senhores bêbados, não me ligam, já me conhecem, atravesso a última estrada e desta vez nem olho para o lado, chego ao portão e sei qual é o botão, mas se me perguntarem não sei qual é o andar. Subir as escadas uma vez mais, depois voltar a desce-las de forma desigual.
-Como correu esta semana?
A voz doce, como compota de morango, o olhar também, mas a descair mais para duas grandes amoras selvagens, e o sorriso como uma onda do mar simpática que nos refresca sem aviso prévio.
-Bem, acho que bem.
Nunca soube se quando as paredes, não as brancas cá de dentro a que tanto me afeiçoei, mas as lá de fora quentes e pegajosas, nunca soube se estas paredes me comprimissem, se eu podia ser como a chuva e condensar-me, vagarosamente, gotículas azuis e ser assim, gotícula de cristal, até ser ar, até ser algodão cor-de-melancia numa nuvem a pairar lá no mar de vento. Nunca encontrei o limite de me poder desfazer, o orgulho não permite, ou a vergonha, ou o receio.
-É a última sessão.
-Eu sei.
Mas não sabia.
Encolhi-me. Agora do outro lado da mesa havia uma expressão estranha. Olhou para mim muito séria, e desfez-se com uma agilidade de golfinho que eu nunca tinha visto antes, numa gargalhada sincera e sumarenta. Olhou-me outra vez.
-Sabes qual foi a primeira frase que me veio à cabeça?
Ri-me.
-Não, qual?
-Eu criei um monstro!
Agora riamo-nos as duas, descontroladas, as nossas gargalhadas lembravam um bando de pássaros ao longe, o bater das suas asas ao mesmo tempo, livres e despreocupadas.
-Um monstro?
-Sim!
-Prometo que desta vez, desta vez não estou a tapar o Sol - a minha alma a sorrir por todos os poros - esta é a Ana do vento, e eu sou feliz, e eu quero lutar, e dar importância ao que importa mesmo, quero fazer teatro no Verão, e andar aos saltos pelo meio da rua, leve. Se sou um monstro não me importo. Ao menos sou um monstrinho feliz, com garra.
Os olhos, duas amoras escuras, agora pareciam brilhar. Arrepiei-me, encolhi os ombros, esbocei um sorriso para afastar a súbita impressão que tinha no olhar, e aninhei as mãos no meio das minhas pernas, que é o que eu faço sempre quando me emociono um bocadinho mais. Mas afinal era o fim de uma longa viagem. A janela estava aberta e daí corria uma brisa que cheirava a pôr-de-sóis, a baloiços, e a carrosséis cheios de amor, tudo por descobrir, tudo por inventar. Afinal, era só mais o começo de uma outra longa viagem.
-Então adeus Ana.
-Gosto mais de dizer até já!

quinta-feira, junho 17, 2010

Põe a mão no coração!

Tesouros escondidos no clandestino da alma...
«A bola 'tá do teu lado, meu irmão
O que é que tu vais fazer? Põe a mão no coração
Pergunta a ti mesmo qual é todo o sentido
Daquilo que tu ouves, segreda-me ao ouvido
Você decide – o voto é secreto e directo
Mostra-me amor e afecto, bom-senso, intelecto
Sê correcto – contigo e com quem mais tu puderes
Para mim está tudo bem mano, se tu estiveres
A bola 'tá do teu lado, meu irmão
O que é que tu vais fazer? Põe a mão no coração
Pergunta a ti mesmo qual é todo o sentido
Daquilo que tu fazes, segreda-me ao ouvido
Você decide – o voto é secreto e directo
Mostra-me amor e paixão, um pouco de raça e tesão
Usa a razão – contigo e com quem mais tu puderes
Para mim está tudo bem mano, se tu estiveres
Faz o que quiseres, p’ra mim está tudo bem
Alright, alright...
Faz o que quiseres, p’ra mim está tudo bem
ok, ok...»

...encontrados de novo num olhar de telepatia (:

quarta-feira, junho 09, 2010

Verãoar


















































































Pirralho de mim. Verão meu. Cadê de ti?

terça-feira, junho 08, 2010

Postal-mágico-voador


Na rua azul não há horas. Na rua azul o céu é laranja e as árvores e as casas são da cor do mar. Na rua azul há maçãs mágicas e os pássaros trazem sorrisos de longe. Na rua azul pode-se gritar, correr e brincar, porque na rua azul tudo é divertido. A rua azul é feita de tintas e rabiscos. Na rua azul há carrosséis e há sempre lugar para toda a gente. Na rua azul não há pessoas tristes, só há pessoas felizes, felizes. Na rua azul há sonhos a pairar no ar. Na rua azul há conversas que ficam connosco para sempre.
Na rua azul as pessoas dão a mão e não querem saber de coisas más. A alma da rua azul é forrada por sorrisos, que voam até ao céu e nos fazem voar com eles. Na rua azul há memórias de alguém. A rua azul é cheia de ti. Volta depressa!




Ainda não fiz as pazes com o meu telemóvel, e tu sabes que nunca hei-de fazer, então faço postais, toma, é para ti (:


segunda-feira, junho 07, 2010

Alambiques d'alma


Correu pela rua fina, cavalgando as janelas entreabertas, o cheiro da comida caseira acabada de fazer, a paz, o Sol que tudo doirava e as aguarelas que nele coexistiam com a presa de uma borboleta, esperava mas nada se via, até que se viu. Vê. Uma chuva ao contrário, do chão p'ro céu, gaivotas a dançar. São. Um sopro de mãos quentes a apodrecer debaixo da terra, a pairar numa gravidade paralela aos nossos pés. De mim. Estórias desfolhadas, glossários sem fim, amor é tela nua. Não.


domingo, junho 06, 2010

Maria Papoila


Deixa as ondas do mar ficarem no meu cabelo. Âmbar da minha paz, verde-azul grená cor-de-trança bronze
ada.
Deixa a ar

eia descansar no chão, nos bancos do carr
o. Deixa as ondas do mar brincarem no meu cabelo. Deixa a praia dentro de mim, quando apagar

es o Sol.

sexta-feira, junho 04, 2010

Recortes de trigo

Sem cara. Uns de olhos fechados, outros sem olhos sequer, mas todos hirtos como um poste de electricidade fundido. O maior tem um olhar triste e mortificado. Para mim o mais bonito é o que parece que está a dormir, parece calmo. Mas todos choram uma prece que não se ouve, numa oração perpétua à espera de um milagre. Os Santo Antónios que trouxemos lá de casa. Foram as únicas memórias que ela desembrulhou dos caixotes. Esses continuam amontoados, atrás da porta, a zumbir segredos de cada vez que entro em casa. Pelo tilintar das latas soube que eras tu. Cheiravas a tinta, a gasolina e a metal. Vinhas carregado de sacos e de cores e aquele sorriso aberto ao mundo. Os mesmos óculos de sempre contra a mesma miopia de sempre, já catéticos,
-Já pensaste em comprar uns óculos a sério?
-P'ra quê? - e enfias os óculos até aos confins do teu bolso - eu vejo tudo o que preciso.

quinta-feira, junho 03, 2010

Minha túlipa azul


Maçã e canela. Bon Iver. Hei-de te encontrar sempre em sonhos.
Foi o combinado.

quinta-feira, maio 20, 2010

Do lado de lá da sombra


Hoje fui visitar o senhor Tomás. Estava sentado no banco verde cá de fora, com as mãos pousadas sobre os joelhos e os dedos entrelaçados uns nos outros, visto ao longe parecia um vulto azul, por causa do avental que tinha vestido, e o banco corrido fazia lembrar aqueles bancos antigos das estações de comboio, muito gastos muito velhos, e o senhor Tomás olhava para o nada, pelo batuque constante do pé contra chão, dava a sensação que estava impaciente, como se esperasse que um comboio entrasse por ali a dentro e o levasse para longe. Ou talvez esperasse alguém. Quando deu conta que eu me dirigia em direcção a ele desviou o olhar. Acenei-lhe. De seguida, um sorriso breve e muito contrariado.
-É cedo. Não devias estar nas aulas?
Só hoje me apercebi da verdadeira cor dos olhos do senhor Tomás. Deve ter sido da luz, que na altura incidiu naqueles olhos curiosos de ave de rapina. Eram de um cinzento pérola desmaiado, com o Sol ficavam mais brilhantes e vivos, por momentos pensei ver retalhos de lágrimas, suspensas ou esquecidas, deixadas ao acaso nas pestanas esbranquiçadas...
-Só entro daqui a meia hora, pensei em vir reabastecer o stock de chá. Sabe como é, isto dos meus ataques de inspirações dá cabo da despensa de chás a qualquer um, não é verdade?
Riu-se. Reparou no bloco que eu trazia debaixo do braço. Por uns segundos ficou estático como uma montanha, como se quisesse falar e contraiu-se, empurrando as palavras de novo pela garganta abaixo. Quando o senhor Tomás se encolhe para dentro os olhos encolhem-se com ele. Tornam-se azuis-esverdeados, não se distingue o azul do verde, mas é um tom triste. Levantou-se.
-Então, já mais perto de te tornares numa artista de renome? - apontou para o bloco.
-Ah, isto? Não, são só uns esboços, uns rabiscos. É por diversão, para passar o tempo...
A verdade é que eu ainda tinha duas caixas de hortelã-pimenta e uma de camomila. Mas a semana passada esteve com a loja fechada, sem dar nenhuma explicação a ninguém. Não que ele algum dia o fizesse, diz que as únicas explicações que tem de dar é ao seu gato e ponto final. Mas fiquei preocupada. As pessoas cochicham, dizem-no feiticeiro, maluco. Uns dizem que veio de África, por causa do seu tom de pele, mas de facto ninguém sabe, o senhor Tomás aterrou aqui com a sua lojinha de chás, que para mim foi uma salvação, e por cá ficou. Disseram-me que partiu depois de eu me ter ido embora, por causa da minha avó... sei que gostava dela, e sei que lá no fundo também deve gostar de mim. Mas nunca tocamos no assunto.
-Entra, entra! Tenho umas novidades para ti. Chá da Índia, acabadinho de chegar, laranja e gengibre, aromático e cheio de especiarias, um manjar, ou neste caso, a bebida dos deuses! - a sua voz orgulhosa. Soltou uma gargalhada.
-Especiarias, hein?
-Nunca saberás, segredo da casa.
-Senhor Tomás, se eu tivesse de fazer assim um teatro sobre a vida, para depois o trabalhar com idosos, sobre o que é que eu escrevia?
-Idosos? - riu-se - falas de nós como se fôssemos uns dinossauros!
-Oh, dinossauros não... mas assim uma biblioteca cheia de histórias.
-Não sei miúda. Tens medo de envelhecer?
-Não, eu nunca vou crescer.
-Ah, esse é o espírito!..
Ficámos uns quantos minutos em silêncio. O ar era abafado e pesado, por causa do cheiro das madeiras velhas e das histórias que flutuavam entre as prateleiras. Mas eu adoro.
-Não me respondeu. Escrevo sobre o quê então?
-Ora - levantou o sobrolho - não estás à espera que eu te entregue as respostas todas pois não?
-Mas..
-O elixir da vida. Escreve sobre isso. Tu sabes o segredo, não sabes? - o sorriso dele iluminou-se.
Fui a correr para apanhar o autocarro, com o saquinho de chá da Índia numa mão e o bloco dos rabiscos na outra.

segunda-feira, abril 26, 2010

A janela da Amélia

Nas ruas esgueira-se roupa acabada de lavar.

domingo, abril 25, 2010

Botões silvestres

Daquele lugar emanava um Abril irrequieto com saudades de Junho. Lavanda que viajava de um canto para o outro na ponta dos meus dedos, vidros de cores gulosas como rebuçados, paredes que agora já não eram brancas nem solitárias, mas sim uma grande selva de flores inimagináveis, delas saltava cor, postais antigos com personalidade própria, do tecto levitavam candeeiros marroquinos, enfeitados com tecidos quentes, à janela uma grafonola debruçada, dourada e altiva, num dueto desconcertante com o silêncio. Uns passos depois uma simpática mezzanini forrada a pequenas janelinhas, luminosa, que dava para o jardim, com umas quantas cadeiras de lona colorida a espreguiçarem-se ao Sol. Se não se ouvia a casa falar, ouvia-se lá ao longe dentro dos ouvidos, mas de seguida a aproximar-se, aproximando-se de nós, o seu canto escutando a nossa alma. Os quadros que em vez de serem pintados pintavam, o murmúrio dos livros, aquele condimento perlimpimpim, especiarias alegres, minhas sementes de sabedoria. O mundo havia-se perdido e parado naquele lugar. O mundo era fino, quase transparente, as minhas mãos formando uma concha, segurando-o, podia encostá-lo docemente contra a minha bochecha. Finalmente adormecer na sua inesgotável inexperiência, que tanto amo. Cheirava a lareira, a madeira cansada, pronta a morrer, pronta a evaporar-se pela chaminé, ansiosa por tocar aquele céu verde-mar flamejante. E pelos caminhos parava. A pasteleira poeirenta, de um azul petróleo forte, na berma, à espera. Quem quer que me ouvisse deixou de me ver. Eu parava pelos caminhos. Das minhas mãos brotavam botões silvestres.

sábado, abril 10, 2010

Não percebo como é que os aviões voam

-Ainda se vêem as estrelas daí? - atira uma, duas vezes - daí, de onde tu estás?
Não é que as ruas sejam, por assim dizer, despidas de preconceitos. Vou-me sentar já sem saber se a cabeça está no lugar da cabeça. E depois, no fim de contas, são os prédios que me cumprimentam.
-Como vai Sr.58? - é amarelo e atarracado, mas tão perfeito com as suas varandinhas e vazos de barro cheios de sardinheiras a tagarelarem com o Sol.
-Muito bem, obrigada, e lá por casa?
-Está tudo bem! - Sorri.
Já ao longe acenei.
-Está tudo bem. - A ecoar mais uma vez na rua estreitinha.
Não se trata, portanto, de gostos. Quer dizer, eu não gosto de relógios. Quer dizer, gosto. Gosto da forma como ficam ligeiramente largos no meu pulso, ligeiramente como quem diz, gosto mesmo de usar o último furo da bracelete.
-Assim, sim!
E o relógio a descair pelo meu braço nu, quase até ao cotovelo. Mas depois desisti. Saber a quantas ando revelou-se altamente perturbador.
Mmmm. A consistência das coisas a desfazerem-se mesmo à nossa frente, sentir as partículas dessa tal realidade serem nada mais que sensações debaixo da língua.
-Corre! - A tua voz era clara e alegre. Azul e despachada.
E a gente corria, de maneira a tentar apanhar flocos de chuva, gotículas estridentes, lembrando gelados de vários sabores a descerem lentamente do céu. Sorvetes suspensos de onde as nossas almas já tinham morado um dia.
Tão perto do palco, tão junto da berma da estrada.
Mmmm, as mãos a emoldurarem as bochechas. Lábios finos no retrato principal. Cai o pano. Para lá das árvores, os grilos.
-Achas que algum dia um pirilampo mais aventureiro poisa no meu nariz? - Sentaste-te um pouco mais à minha frente.
E de facto, à noite o cenário era outro. Uma orla de pequenos pontos cintilantes no escuro. Não. Não eram estrelas. A tremerem pequeninamente.
-Espero que sim! Era giro - assentei- sentir parâmetros sem os sentir.
-Era.
Primeiro, a inexistência de palavras. Depois lembrares-te que palavras nunca foram precisas. Ouvi o teu sorriso logo depois. E senti a tua alma contorcer-se de tanta emoção junta. Por enquanto, ainda não pousara por ali nenhum pirilampo. Pairava agora um silêncio que contava histórias, lembrava canções.
-Ainda falas com os prédios? - A tua voz, por fim.
-Claro! - ri-me - não têm horas!
-O Sr.58?
-Na mesma. A embirrar com o correio, mais com a publicidade, as campainhas estragadas e ferrugentas. Agora têm que lhe bater à porta uma série de vezes para ele conseguir ouvir - tum tum tum! - e por vezes só à quarta é que ele ouve. Acho que ele finge que não ouve. Quando aparecem aqueles homens das agências imobiliárias, com os placares com letras gordas VENDE-SE, ele finge, juro-te.
-E ninguém o compra?
-Não. Todas as semanas - quando ele ouve baterem à porta - vão grupos de pessoas ver a casa. Mas ninguém, ninguém compra o Sr.58. Um palácio escondido. Um refúgio amarelo.
-Devias comprar o Sr.58.
-Um dia - inclinei-me para o teu colo - sem dúvida.
-Um dia.
A inexistência de palavras, sons, outra vez.
-Ainda se vêem as estrelas daí? - atiras uma, duas vezes a pergunta contra o vazio da distância - daí, de onde tu estás?
Ouviu-se um grande suspiro. Agora é noite, e é noite em qualquer lado. E é engraçado como as comunicações nunca são o que deviam ser, e sinceramente eu gostava de perceber como é que aquela linha de electricidade funciona e gera energia entre as pessoas, mas se calhar já é um bocado tarde para isto. Talvez baste só um abraço, e adeus ao vazio.
-Se algum dia te pousar um pirilampo mais aventureiro no nariz contas-me? - soltei eu, devagarinho.
-Achas que pousa? - alma criança, como sempre.
-Eu acho que pousa - tenho tantas saudades tuas, digo? - pousa de certeza.
Daqui adivinho as estrelas a boiarem num azul índigo que se evola na própria escuridão violeta da noite. Nada é claro ou distinto. Apenas as vejo, a tremerem pequeninamente, a cintilarem pirilampamente na nossa orla demorada. Dá-me vontade se ser uma dessas estrelas a boiar no nada, também. Etérea. E eternamente.

segunda-feira, março 15, 2010

Trem(e)




Foi o comboio que te trouxe,
Na explosão desmedida de um sonho

Na carruagem deitada,
Foi ele que te trouxe
Deixando-te um pouco sem nada,
Na desmaterialização, no sem energia,
No que quer que fosse
Foi o comboio que te trouxe,
Devolvendo-te a um último final
A um canto, a uma doença,
Foi o comboio que te trouxe
E nem deste por isso, afinal
Era tudo uma trama dentro de uma outra trama,
Só mais uma trama dentro de mais uma outra trama
Um enredo de medo, e não, por acaso não me perdeste,
Foi ele que te trouxe
E é ele que te chama,
Agora morrer e viver parece ser fácil, o mais fácil,
Foi o comboio que te trouxe,
Agora quando choras sabe a chuva
E porém a chuva não sabe de ti,
Não é estranho a carruagem percorrer-te
Os membros, de saudade, atropelar-te?
Acorda. Foi só mais uma trama dentro de mais uma outra trama,
Podes chorar e mentir, tu não sentes o sabor das nuvens,
Ou quando vens, redesenhar o teu futuro
Aqui, sob o calor, sobre a plataforma,
À espera que ele te traga, que te devolva,
À espera que alguém te acorde e diga: sonha.

quarta-feira, março 10, 2010

Caleidoscópiasente






Duas cadeiras.





Eu oiço. Tu ouves-me.



(e então?)





Eu falo. Tu finges que falas.





(silêncio)





Silêncio.





E eu sou a casa. Tenho a mão nos quadros acastanhados, que vigentes, que amarelados. O corredor pequenino pequenino, espectros de memórias. Memórias?





(memórias)





Onde?





(aqui)





Já não.





(então?)





Imagina que o Sol desaparecia, muito muito tempo, demasiado tempo, que sim, o Sol também fingia.





(suspiro)





Pois. Já lá vai num bolso fundo, esqueci-me.





(do Sol?)





Silêncio





(silêncio)





Silêncio.





De mim.





(silêncio).





Uma cadeira.



Eras pequenina e arrebitada, não gostavas do corredor porque era escuro e estreito, fazia-te confusão os gatos serem tão quietos e carrancudos e sossegados. Mas lá vinhas toda desengonçada sentar-te ao meu colo, com o Sol na mão, abraça-me que é tarde. Abraça-me que os quadros são mentirosos, abraça-me que assim não berro, que assim sou eu.

Caleidoscópiasente, segredaste-me.
.






sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Sorriso-palhaço

Ainda no outro dia passei por lá e eu sei, eu lembro-me, o que tu desejavas era que o Sol te invadisse os cabelos sem que batesse à porta primeiro, que a relva fosse o cabide das tuas roupas. Já te estou mesmo a imaginar; agora andas por uma casa e tudo o que vês são rectângulos. Os livros, rectângulos. Os armários, rectângulos. Os pratos, rectângulos. A chuva brilhante molha a calçada, as roseiras não podadas, os candeeiros amarelos. Dois comboios passam, aposto que estás aninhada do outro lado, junto a uma coluna cinzenta e impotente, no chão.
Eras fã de livros velhos poeirentos amnésicos, espreitavas lá pela janela da frente toda torta, uma espécie de marionete trapalhona, batias energeticamente no vidro, umas quantas gargalhadas tuas iam ao céu e pareciam ficar a pairar lá em cima para todo o sempre. Bom dia, dizias e entravas, sorrias mesmo que não te sorrissem de volta, implicavas quase sempre com o degrauzinho da entrada, e ias abrir livros em quinhentos pedaços amnésicos, jorros de outras realidades. Sorrias mesmo que não te desse vontade de sorrir. Às vezes tremo ao pensar que te podia ter salvo. Cumprimento as árvores de tão mudas que estão, conto as nuvens, apanho e solto umas estrelas, como que pirilampos a iluminarem-te a tez, olhos pintados de um verde aguado.
Houve um dia que a senhora aqui do lado da mercearia, muito amiga da tua avó, comentou com um ar preocupado o estado dela. Que já não era ela. Esta menina aqui é mesmo muito parecida com a minha Ana. Deves-te ter extinguido naquele quarto, a luz pequenina a tremelicar, a tua sombra preta carregada contra a parede. Mas desta vez deves-te ter extinguido não como as estrelas-pirilampos, pouco a pouco, que eu te oferecia de vez em quando, mas sim como a chama de uma vela fugaz, num sopro rouco e quebradiço. E eu quase que adivinho as noites que não dormiste, a vontade de fugir, e fugiste, depois o sentimento de cobardia que devias carregar no peito. Uma cobardia asmática que não te deixava respirar bem. Respiravas aos soluços.
Sextas-feiras era dia de compotas melosas, doces açucarados. E claro chá, muito chá. E do chá tratavas tu, dava-te um gozo ires à lojinha da rua da frente, que tinha prateleiras que cobriam as paredes desde o chão ao tecto divididas por pequenos quadradinhos com portinhas transparentes, tu dizias que faziam lembrar milhões de janelas salpicadas divertidas e vivas, e podia-se ver a variedade de cores das tuas tão queridas ervas aromáticas, os cheiros de outros mundos que tu veneravas tanto naquela loja. O cheiro a móveis gastos e pesados, o cheiro da luz a entrar pelas grandes persianas, ficavas completamente absorta de tudo, por vezes chegavas mesmo a levar um dos teus livros amnésicos e sentavas-te debaixo da prateleira de hortelã-pimenta, uma das tuas eleitas. Mas especialmente ias todas as sextas e quartas e terças, porque o dono da loja de chás te intrigava. Porque o dono da loja de chás era antipático. Carrancudo. Pior que isso, infeliz. E se havia coisa em que tu não acreditavas era em pessoas antipáticas, ainda por cima donos de lojas fantásticas de chás como aquela. Tu falavas, sorrias, agitavas as mãos, contavas como uma ansiosa criança as melhores histórias dos teus livros, um ou outro filme que tivesse estreado, um teatro capaz de fazer sonhar qualquer um que tinhas ido ver na semana passada. E rias-te sozinha, despreocupada e levemente. Mas tudo o que arrancavas do senhor Tomás era uma boca carrancuda, um olhar antipático e; qual vai ser o chá de hoje, menina? Óbvio que não desistias, dizias que se o senhor Tomás te deixava ficar lá a ler no chão da loja era porque lá no fundo gostava da tua companhia. O teu barulho alegre era capaz de preencher os espaços mais solitários do universo. E acho que ele acabou por se habituar a ti, era um homem rotineiro e aparentemente deserto, o senhor Tomás. Não se sabia se tinha família, vivia sozinho, e parecia carregar nos olhos uma amargura incurável. Partiu cinco meses depois de ti.
Abraçavas páginas que em tempos criaste, que nasciam das tuas mãos. Parecias querer afogar tudo ali; os espaços que já não pertenciam a nenhum tempo, o tempo que te ceifava sem te dar antes tempo a ti de olhar uma outra vez. Choravas, e não havia estrelas-pirilampos que te pintassem uma aguarela na noite. A vela apagou-se e acho que nunca mais ganhaste coragem de te desabares no mundo de falar alto, isto é, um tom acima do pensamento, doía falar alto, ouvia-se a dor latente se falasses alto, e isto implicava que alguém a estaria a ouvir, e se alguém a estivesse a ouvir era alguém que te amava e que amavas também, e isto magoava-te e destruía-te por dentro ainda mais do que a tua própria dor; saber que deixavas uma pessoa triste porque tu estavas triste.
A lojinha de chás já não existe, é agora uma loja de computadores toda sofisticada, a preto e branco, deslavada. A senhora aqui da mercearia do lado há muito tempo que não aparece por estas bandas, ela que até costumava vir buscar uns livros para os netos e pôr-me a par das novidades do bairro. Depois da tua avó se ter tornado numa estrela-pirilampo, acho que ela nunca mais conseguiu cá voltar.
Este perfume a letras velhas devolve-lhe memórias dolorosas.

segunda-feira, fevereiro 15, 2010