domingo, abril 25, 2010

Botões silvestres

Daquele lugar emanava um Abril irrequieto com saudades de Junho. Lavanda que viajava de um canto para o outro na ponta dos meus dedos, vidros de cores gulosas como rebuçados, paredes que agora já não eram brancas nem solitárias, mas sim uma grande selva de flores inimagináveis, delas saltava cor, postais antigos com personalidade própria, do tecto levitavam candeeiros marroquinos, enfeitados com tecidos quentes, à janela uma grafonola debruçada, dourada e altiva, num dueto desconcertante com o silêncio. Uns passos depois uma simpática mezzanini forrada a pequenas janelinhas, luminosa, que dava para o jardim, com umas quantas cadeiras de lona colorida a espreguiçarem-se ao Sol. Se não se ouvia a casa falar, ouvia-se lá ao longe dentro dos ouvidos, mas de seguida a aproximar-se, aproximando-se de nós, o seu canto escutando a nossa alma. Os quadros que em vez de serem pintados pintavam, o murmúrio dos livros, aquele condimento perlimpimpim, especiarias alegres, minhas sementes de sabedoria. O mundo havia-se perdido e parado naquele lugar. O mundo era fino, quase transparente, as minhas mãos formando uma concha, segurando-o, podia encostá-lo docemente contra a minha bochecha. Finalmente adormecer na sua inesgotável inexperiência, que tanto amo. Cheirava a lareira, a madeira cansada, pronta a morrer, pronta a evaporar-se pela chaminé, ansiosa por tocar aquele céu verde-mar flamejante. E pelos caminhos parava. A pasteleira poeirenta, de um azul petróleo forte, na berma, à espera. Quem quer que me ouvisse deixou de me ver. Eu parava pelos caminhos. Das minhas mãos brotavam botões silvestres.

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