quarta-feira, dezembro 30, 2009

Ser lápis-lazúli


As palavras que me cobrem são como um espelho envidraçado,
Saudosas ao longe, ao perto inquebráveis
As palavras são cobertores de alma, essas silenciosas
Ora me chamam, ora me dançam.

Daí eu fugir, por somente nelas eu mesma me reflectir
E assim pensar que alguma dor que não me pertença,
Tenha fugido comigo também. Aquecem as palavras de amor
Além, até nada mais se ouvir.

terça-feira, dezembro 29, 2009

Perspectivas


Não me digas o que ser.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Canela Tangerina Cenoura



Trespassei a porta. Ah o ar fresco da rua, o azul acinzentado acima de mim! O cheiro a Natal que invadia o lá fora solitário, através das janelas quentes, iluminadas. Ouviam-se gargalhadas estridentes e conversas de mesa alegres. Ali, à minha volta parecia reinar uma calmaria apaziguante, como se todo o mundo tivesse decidido que hoje, hoje era dia para estar em casa, aconchegados pelos que mais amamos, aninhados a sorrisos deliciosos, açucarados. Fiquei ali a saborear aquilo tudo sem pressa nenhuma; as árvores estáticas, a relva húmida, o cheiro a terra, o vento doce na minha cara. Naquele lusco-fusco entardecido, ao longe apenas se via as milhares de janelas amarelas vermelhas reluzentes, tudo parecia tão confortável e seguro. A paz do silêncio. Como se os ponteiros do relógio finalmente tivessem congelado com este frio. Que bom, pensei. Tão boa esta sensação, de poder sentir devagarinho o abrandar de tudo.
Entrei de novo em casa, um perfume a canela tangerina cenoura preenchia o ar. Sonhos. Corri, abracei tudo, abracei-me, abracei o medo, algum receio que alguma vez me pudesse ter tocado. E comi sonhos atrás de sonhos, senti-me quente, livre. Com os lábios cheios de açúcar sorri de corpo inteiro, olhei em volta e pensei, pode ser algo assim tão perfeito?

Um Natal adocicado e aconchegador a todos!

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Eléctrico do meio-dia


Pêsames é uma palavra tão feia.
Acho que até chega a ser uma não-palavra.
Sabes o que me lembro de ti? O cheiro a castanhas, nós mergulhados pelas ruas da menina Lisboa, eu era apenas uma pequena sonhadora de canudos dourados pelo sol aconchegador. Lembro-me de gatos, os teus gatos, e da minha relação com eles de puro e duro amor-ódio. E de uma casa de gelados. Cinco pormenores nossos. Antes que pudesse reagir, gritar, antes de mais nada a parede engoliu-me. Malandra não é? Dei por mim estava no chão mais o meu Sebastião, a tentar recuperar o fôlego completamente desatinado. Foi uma revolta por não teres estado presente, por eu não saber lidar com a palavra «morreste», por não conheceres a minha loucura, os meus rabiscos, a minha sede de voar cada vez mais alto. Desabou tudo, e nem sequer foi por ti. Foi pelos estranhos que tive de "conhecer" há um bocado enquanto tu estavas na sala ao lado... decerto não estavas, eles é que acreditam que sim. E lembram-se do meu herói? O poeta interventor de olhos verdes amarelos cinzentos? Hoje só quis ser abraçada por ele como há muito tempo não o queria. Todo o meu peso acumulado desmoronou sobre ele. Ele abraçou-me com a força de um avião, eu senti-me mais leve. Eu e o pai acreditamos na teoria do espírito livre. Que se estás, estás por aí, na cópula das altas árvores, amigo intimo de coloridos pássaros viajantes. E eu? Guardo em mim o cheiro familiar a castanhas e a imagem de uma menina de canudos dourados pelo sol de mão dada com um homem, que em tempos fora seu avô.


O espalhafato do silêncio


Imagino-me deitada. Quase triste, quase. Embaciada pelo tempo, abraçada por livros. Imagino-me deitada a tentar agarrar-me, a tentar trazer-te de volta para este mundo enchapelado, onde a chuva não se ouve mas sente-se e onde prédios caiem sem mais nem menos. Como se as obras não fossem suficientes, e a restauração de algo maior e melhor tivesse falhado. Não há verbas. Eu acho que não há verbos. Num quarto, a criar laços com o escuro, só na esperança de não me ver a mim, mas sim o essencial. Não ver. Não te ver. Só a tentar respirar, ganhar alento pelas ruínas de uma boca, lágrimas de cimento. Mas há horas, há horas para tudo. Há demoras, lixo no chão, uma guitarra deitada comigo, disseram-me que nomes são manias daquelas que fazem comichão. Já só havia as luzes lá em cima, azuis adormecidas. Calça-se os sapatos não é? Encontra-se sem primeiro procurar, e os sorrisos... esses foram meros flocos de neve, que duraram isso. Esse tempo de queda breve, sendo no final roubados pelo céu frio. Quando caminhas, caminhas para onde? Procura o homem do violino, o andar fantasma, as cores dormentes. Diz-me que a saudade é só do fado, que eu não tenho corredores para te guiar. Que não tenho todo o tempo do mundo, que nem tu estás neste mundo, que este mundo nem mundo mais é. Deixa-me deitada, deixa-me perder nesses rascunhos de vida, no meu esboço de vida, sem medida.
Vejo-te ainda muito bem daqui, pela estrada fora, contornaste-me tão bem, tenuemente bem. Levaste-te só a ti e as melhores lembranças de mim, espero.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Mundo azul, mundo de borboleta

Não te liguei. Mesmo depois de ter dito milhões de vezes que hoje era o teu dia, que ia falar contigo durante horas e horas a fio... Mesmo depois de ter dito mais umas milhões de vezes que hoje ia ter contigo aí, ao teu mundo azul. Imagina uma caixinha com tudo o que vivemos lá dentro, imagina-te a escancarar essas vivências na direcção deste nosso céu azul-mar. Imagina-te a respirar, por fim, a respirar o que viveste, a sentirmos a vida como ela foi. A sentirmo-nos vivas! Ter a coragem digna de esvaziar essa caixinha, e não ter medo de imaginar o seu futuro preenchimento. Ser inteligente e criativa ao ponto de controlar esse futuro da maneira que mais nos faz feliz. Voar, verbo vivo em ti, asas leves filhas de árvore e sóis melódicos.



Borboleta da ponta do dia até à ponta da noite.



Com asa de borboleta nasceu a primeira palavra amarela. (mas) para dizer «amarela» convém ter a boca suja de terra. para assistir ao nascimento de uma palavra convém esperar dentro do chão. para esperar dentro de um chão convém já conhecer uma borboleta - para saber perguntar o caminho das suas asas.

ONDJAKI

domingo, dezembro 20, 2009

Memórias de alguém



Já vou. Sei lá onde estou, não sei pr'a onde vou, só sei que já vou. Já vou.
Sublinha-me as partes não ditas mais importantes. Desfaz-te em mim quando entras incontornável, com esse caminhar sujo de lama triste das poças que, sem querer, pisaste lá fora.
Dá-me janelas entreabertas de Lisboa.
E chegavas de correio na mão, com esse cheiro a chuva livre, e os teus passos eram como um maestro que esculpia harmonia por cada cantinho.
Muitas vezes, olhavas-me da cama preguiçosa, embrenhado num silêncio matinal, como se nunca me tivesses visto, como se fosse uma estrangeira na tua não-rotina, enquanto que eu, mergulhada na tua camisa amarrotada dizia bom dia à vida da varanda acolhedora do nosso quarto, com um café morno entre as mãos da noite anterior. Franzias o sobrolho, fazia-te confusão o meu desiquilíbrio ao caminhar. As minhas mãos pintadas. E acho que muitas vezes te questionavas o que seria que te devolvia no final de cada dia a mim. E acho que nunca encontraste resposta. Eras alto, silhueta cuidadosamente delineada, com um sorriso nascido do Sol, pele carioca, teus braços meu refúgio e a minha paz no limiar do teu olhar. Todas as manhãs eram novas, uma ponte atravessando o nada, todas as manhãs eram estrelas intemporais, eram um abrir de janelas para o conforto do teu ser. Todas as manhãs extinguia-me no teu peito, estrela cadente.

sábado, dezembro 19, 2009

Um índio três desejos palavras achocolatadas


-Isto não é um cachimbo?
-No, isto és un cachimbo, isto aqui.
-Ah, muito giro!
Era uma homem de média estatura, longos cabelos de carvão, com um rosto expressivo marcado, cheio de histórias, queimado pelo sol.
-Bem, então levamos um não é? Um cachimbo índio para o Vasco!
Eu andava ali, mergulhada em lenços coloridos, olhava o senhor índio e dava-me uma vontade de sorrir, sem saber muito bem porquê, mas aquele índio parecia que tinha tanto para contar, parecia ter visto mundos e mundos desconhecidos para mim.
-É só o cachimbo e o lenço sim, obrigada.
-Escolhe uma pulseira.
Esboçando um sorriso que enchia o próprio vazio do ar.
-Uma pulseira? Eu?
-Sim. Qual quieres?
-Bem.. Muito obrigada. Não sei a cor, de que cor?
Atrapalhada, intrigadíssima.
-Hmm.. Acho que verde. Sim verde! Dos teus olhos, e verde é esperança.
-Ok!
-Dás três nós, pedes três desejos e quando a pulseira se romper atiras ao mar.
-Obrigada, obrigada... Três desejos. Esperança.
Despedi-me e fui-me embora. Naqueles breves segundos com o senhor índio senti-me noutro lugar, na Amazónia. Fui-me embora com três desejos e uma pulseira no pulso. A melhor prenda de Natal que alguém me podia ter dado, de longe.

Pessoar



O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos.

Fernando Pessoa

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Auto-(sonhadora) retrato?

Uma palavra que me defina? Sonhadora.
Duas palavras? Altamente sonhadora.
Três? Aterrorizadamente altamente sonhadora!

Arquitectura não, design de comunicação nem pensar, professora de história de Arte ou de geometria? Por amor da santa. Escritora, pintora? Sou-o a full time.
Andava eu nisto já há uns bons dias, com um vazio no estômago pois faltava-me um sonho desenhado ao de leve, para me guiar. Recompor. Erguer-me de lençóis escuros tristes, amanhecer amanhecer re-sentida. E hoje, pensando em sonhos, vim vasculhar aqui bem dentro, aos arquivos da alma algo que me fizesse tremer de entusiasmo, uma corda pequenina a que me pudesse agarrar. Depois de muitos «não sei», «oh meu Deus!» e «vou para o desemprego!», depois de um café falsificado, depois do remoinho de saudade com «how i wish you were here» e depois de uma conversa aconchegadora que dava um grande poema, o Mar abraçado à menina Lua sentiu-se preenchido aos poucos e poucos, quarto crescente maré vazia. Foi ao som de musicais, já esvaziada, ao som de Eddie Vedder, ao som de risos e maluqueiras soltas que malucamente sorri também e soube. Não decidi, não carreguei a carvão escuro o futuro, não prometi nada a mim mesma. Acreditei, simplesmente agarrei-me a essa corda pequenina, a esse sonho. E permaneço a dançar, a desandar, a aLuaMar, a sonhar, a re-criar, a abraçar, a dissertar, a voar. Quem sou eu hoje? A miúda que anseia por comboios, ali a miúda do chão, a miúda dos recortes, a miúda das mãos pintadas, a miúda despenteada, a miúda que quer fazer Teatro, a miúda despistada, a miúda que corre para o autocarro, a miúda que planta geometria, a miúda atrasada, a miúda que rodopia, a miúda frágil, a miúda-sereia, a miúda sem horas, a miúda dos olhos brilhantes, a miúda do lenço desajeitado, a miúda naturalmente maluca, a miúda do caderninho mágico, a miúda que come gelado faça chuva ou sol, a miúda teimosa, a miúda que rabisca e perde tudo, a miúda musical, a miúda que há-de re-ser para todo o sempre miúda.

domingo, dezembro 13, 2009

Sei lá, dança-me.


Sou o que resta da mutidão quando o dia esmorece. Gostava de poder gritar, olha gostava de saber ser livro!
E escrever novos modos de me conjugar a mim mesma.
A miúda do chão, a que mora na calçada contadora de histórias, rainha de luzes e caminhares perdidos, vontade sôfrega de remediar. Chamam-lhe a salvação do próprio entardecer entristecido. Na chama do sopro da noite, é aí que ela reside, aninhada a um peito forte apenas por ela conhecido. Oh miúda do chão quem te manda ser pintora da multidão? Não vês que não te pertencem esses corpos que mal dançam, que tocam pautas falsas? Miúda do chão és tão teimosa. Não sabes das horas, mas sabes do futuro, perguntas pelo passado, queres um pouco de tudo.
Miúda livre, miúda do chão, o que te desenha?

Cabeça sem tempo


(Abrange-me o tempo sem sapatos
Vem sorrateiramente pisando os meus passos.)
E se eu me sentasse e tocasse
Deixando correr a música sem dor
Roubando bocas de espanto
,
E se eu por leves segundos
Pudesse jurar sentir a perfeição ali, quebrada?
Abrange-me como se nada fosse

Desde o meu pulso até à alma dos dias intemporais.

Descalça


As minhas voltas são o que são.
São um esburacar de horizontes
Mergulhar para trás levianamente.
Nunca foram raízes de um chão
E elas esculpem as minhas camadas
São elas que desenham as minhas estradas.
Não nos damos bem,
São complicadas estas relações
Quando já nada se tem
E sobram os raros sopros
De passadas sensações.
De cada vez que se esquece,
Após menos de 24 horas
Eu esqueço o sabor do tacto,
De como andar descalça
Me faz saborear a leveza.
Fugir para Lisboa parece-me um bom plano
Abraço num sorriso dentro de um olhar.
E porque não irmos por aí,
Contrariar as voltas
Que me fazem tropeçar...?
Já chega.
Quero amanhecer.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Cinco e um quarto


Resiliência. Era algo que todos deveríamos ter. Devia ser instintivo, como um reflexo repentino da alma. Nós seres humanos desistimos, é verdade. Mas não era lógico reerguermo-nos, folhas de Outono a cingirem o ar, tocando o chão ao de leve e de seguida, arrebitar de novo em direcção ao céu solarengo?
Falava-me disto, cantava-me ao ouvido. Por mim ficava ali o dia inteiro. Entre aquelas quatro paredes brancas que sabiam mais de mim do que eu própria.
Coordenação. Devia ser um hábito. Medir o tempo com uma régua, separá-lo em pedacinhos, tê-lo sossegadamente nas mãos. Eu devia ter escrito um texto argumentativo, para o ler aqui bem alto, sem que me pudesse perder nos meus inerentes dialectos, e pudesse dizer claramente, com palavras firmes e a negrito: p r e e n c h e - m e.
Preenchimento. Devia ser a tempo inteiro. Como uma música que cresce e se expande cá dentro, quente. Um sopro de uma outra boca, de dentro para fora, de ti para mim.
Saí, por fim.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Rua nº47 vira à esquerda e é sempre em frente


«Não é isto que quer?»


Já nem consigo sugerir, já nem me entrego à calmaria de pintar em poesia. Tudo isto é frenético, fanático, pindérico, sarcástico.
A sala era pequena, pouco familiar. Mas o resto era o mesmo, as cenas congeladas, os risos, o modo Pretérito Imperfeito de caminhar. Os edifícios direitos e lisos, as árvores do costume embebidas no céu azul turquesa lilás laranja do costume. Os boatos, os mexericos, as velhas da rua, o cão da claustrofóbica varanda que ladra à Lua, os cafés apinhados, as aconchegadoras viagens de camionete, os jantares fora da hora de jantar, o vaivém das pessoas, a usual contradança dos desejos, o zumbido dos sonhos a passarem-nos ao lado. O mesmo desigual.

Inquiriu-me assim, a mulher do cabelo recortado com salpicos do pôr-do-sol, cinco palavras mais um ponto de interrogação com toneladas de razão, inquiriu-me num tom de revolta, com um pico de tristeza também. A mulher falava de maratonas, metas, vitórias épicas, olhava-me, desenhava círculos confusos com a bordada saia rodada, retorquia, olhava-me de novo, discutia, perdia-se nas suas teorias, exigia-me a perfeição, desesperava e suspirava com o espírito apoiado na rude mão. Olhava os meus traços, olhava-me a mim.

Faltava muita coisa nessa sala, e eu sentia essa falta de dia para dia. E isso notava-se nas minhas aguarelas esquecidas, no meu F perdido, na escassez de folhas brancas, nos nunca decentes lápis de cor.
Essa falta notava-se em mim, faltava-me eu.

Numa última investida, inquiriu-me uma outra vez. Apesar do real vazio daquela sala, das janelas fechadas, estores recolhidos, caderninho mágico nunca mais visto, acusações merecidas, pensamentos soltos da semana passada que acabou com a rapariga simpática do toblerone a dizer-me «pessoa errada» e um fim-de-semana vagaroso, incluíndo claro o domingo mais a sua teimosa melancolia, apesar disto tudo, eu cantarolava uma canção dos Clã, ajeitava o meu lenço desajeitado, sorria, entregando-me ao carvão obediente. No segundo a seguir lembrei-me de olhar à volta. Numa câmara muito lenta, numa fotografia demasiado óbvia. Constatei ser uma serial killer de cadeiras, de perspectiva, resumindo: uma assassina de traços direitos e limpinhos.
E a pergunta da mulher atropelou-me, fazendo eco em todo o meu ser durante muito muito tempo, como um sino gigantesco daquelas igrejas colossais em França. Tropecei cai, deslizei até ao chão, e ali fiquei. A soluçar como se fosse uma miúda que nunca na vida tinha provado a brisa salgada do mar.

Foram um par de dias daqueles banais, de correrias. Hoje o céu era de algodão doce o que me acalmava por dentro. Pensei no teatro, nos desenhos, na geometria, na dança, na música, pensei em viagens, voluntariado, África, num Natal desejado, pensei num abraço, numa festinha ao meu cão, pensei em Itália, em exposições, em filmes, pensei num chocolate, no tempo, pensei na faculdade, num olá, pensei na coerência, pensei em Lisboa, pensei na saudade. Pensei em sonhos. E adormeci.

Verbos esgotados

Estranhamente, ainda não acordei a música. Talvez porque ali aquele objecto histérico e meio rectangular esteja aos altos berros. Calou-se, finalmente. E mais ou menos dentro de breves segundos acordo-a. Acordo? Tenho as mãos sarapintadas de tinta desde as oito, duas formigas passaram por mim, orgulhosas na sua pele, confiantes, um pouco inquietas, mas confiantes. Confiantes pois, houve quem traçasse o caminho por elas. A primeira ficou para trás com rectas e relatos de bombas e coordenadas. A segunda anda aqui, pelo teclado riscado, pelo ecrã acima ecrã abaixo. Acho que se não a acordar não noto o tempo passar. Sentei-me. Bastava estender a mão sabes, para entender o que te mata e para acreditares em milagres. É um chá de maçã e canela, se faz favor. Um milagre, um descontínuo milagre. E milagres, eles existem? A respiração ofegante embaciou o horizonte mais à frente. Coisa de uns pares de metros. Coisa pouca. Mas acabou tudo num teimoso nevoeiro de palavras, e eu até já criei laços com o nevoeiro, parece convidativo, um abraço imparcial, recto e directo, como se o nada fosse espesso, nada mais que um nevoeiro concreto. Deixei de ver a segunda formiga. Não tenciono acordar a música. Não gosto de horas, do a horas, nem da etiqueta, nem do politicamente correcto. Aptecia-me uma mensagem dentro de uma garrafa, com o mapa do milagre-tesouro. Tenho a bochecha esquerda rabiscada e sinceramente, uma boca com fome de novos verbos.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Aterragens


Não te sentes a abrandar?
O respirar para lá de ti,
Caixa de cartão
Palavras preguiçosas.
O chão fez de ti um reflexo
Mas não aquele que se vê, certo?
Vê-se a chuva no teu olhar e
Ponto.
Mas não te sentes a abrandar?
Câmara lenta de um filme sossegado
Contra-rebatimento de boca,
E, leve. Leve no verbo precisar.
Fala-me de equações
Esboços nulos
Rasgos risos gastos
Nossos.
E de perfeições
De puzzles
Sonhos somos fomos
Acasos,
E de canções.
Ainda não te sentes a abrandar?

terça-feira, dezembro 01, 2009

Carta ao Pai qualquer coisa (milésima vez)

Depois de ontem ter descoberto que aquela carta que recebi em pequena não era tua, mas sim aqui da Isabel Maria armada em Mãe Natal, decidi escrever esta. Pode ser que me oiças. Estás por aí? Também ontem, cheguei à brilhante conclusão que era óbvio que não descias pelo exaustor abaixo... mas era o que eu pensava, visto que cá em casa não há a famosa lareira. Prometo que vou tentar ser breve, que não me ponho aqui a refilar, nem com metáforas e outros monstros da língua.
Antes de mais nada, olá e como tens andado por aí? Eu trago-te boas notícias! Como te deves estar a aperceber, ontem foi um dia luminoso, decidi que esta é a minha vida e que a quero viver ao máximo, deu-me uma vontade louca de fazer bem as coisas sabes? A cada segundozinho sorrir e ser leve em cada gesto. Uma energia pela alma acima, a qual agora me agarro, visto que, se me permites dizer, estes últimos dias têm sido de loucos. Portanto aqui me tens, a Ana Reis em carne, osso, e alma (in)completa! As más notícias... Não me apetece fazer a ridícula árvore de Natal cá em casa. É mau não é? Nem pendurei o teu peluche anafado na porta... O que é que tu queres? Não sinto isto do Natal, o consumismo exagerado, eu sei eu sei que prometi que não me ia queixar mas é inevitável! Responde-me a esta carta e explica-me de novo o Natal. Sim? Eu até fui ver aqui ao dicionário... Natal, adj. relativo a nascimento. S.m. Dia em que se celebra o nascimento de Jesus Cristo. Bolas, é isto?! Como não podia deixar de ser tenho uma "listinha" para ti, ou para alguma alma santa com super poderes... Aqui vai: as pessoas que amo unidas com um laçarote, e eu no meio delas. Simples não é? Também achei
.

O músico


«O silêncio deixa-me ileso, e que importância tem? Se assim tu vês em mim alguém melhor que alguém. Sei que minto pois o que sinto não é diferente de ti. Não cedo. Este segredo é frágil e é meu. Eu não sei tanto sobre tanta coisa que às vezes tenho medo de dizer aquelas coisas que fazem chorar.
Quem te disse coisas tristes não era igual a mim. Sim, eu sei que choro, mas eu posso querer diferente para ti. Eu não sei tanto sobre tanta coisa que às vezes tenho medo de dizer aquelas coisas que fazem chorar.
E não me perguntes nada.
Eu não sei dizer.»
E o músico ensinou-me a ouvir a música mais bonita, e também a mais difícil. Aquela que não se ouve.