sábado, janeiro 16, 2010

Os meus pés empurram-me, e querem pisar areia.


não me apetece ser egoísta. entrei numa lentidão sobrenatural, de sentir. os prédios devolvem-se a mim, eu devolvo-me a eles. tudo à volta parece tão compacto, respirar torna-se um acto absurdamente calculado. inspiro penso, expiro repenso. é como estar debaixo de água. penso em ti cada dia. devagarinho. atravessar esse corredor de mordomia a que me habituei. e cada palavra é um respirar debaixo do mar. oxalá voltasses a ser o meu pôr-do-sol. numa casa cheia de cores. areia no meu cabelo. desfazer-me assim na orla dos olhares. jurar ouvir passos vindos do alpendre, aquele de antiga madeira sábia, mas nada se mexia. nada dava um passo. eu era apenas mais uma estátua naquela paisagem carioca azulada. cheira a morangos e laranjas. permanece tudo tão permanente. até se esgotar em mim essa arte de construir palavras.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Grão de açúcar do vento

Andei a manhã toda à procura de uma caneta vermelha (que pintasse a sério), mas nem uma, apenas tintas e mais cores amarrotadas pelo tempo. Reparei que enquanto devaneava por ali, olhavas-me lá de trás, numa espécie de meditação. Que raio estarias tu a pensar? Parecias falar com as árvores lá de fora e trazer pássaros escondidos nas mãos, como se de um sossegado segredo se tratasse. Aquela sala é uma máquina de lavar claustrofóbica, e tu assistias àquilo com um certo gozo no sorriso, a minha comédia matinal, o meu escancarar de janelas, protótipo pelo cano abaixo, eu a bater, literalmente, com a alma nas paredes brancas lisas frias. A minha caça ao tesouro, de uma caneta vermelha (que pintasse). Dei dois passos, mas tu já vinhas a topar a minha loucura desde há um bom bocado,
Já procuraste no armário? Costumam haver canetas por lá.
Pois, mas nem uma que pintasse (a sério). Era como se soubesses de tudo, do que eu um dia tinha sido, de quando ainda escrevia poemas rugosos em troncos de árvores, ficava sempre um grande espacinho em branco por dizer, em nós, a mim apetece-me sempre perguntar se estás bem, se amanhã vais estar na mesa da frente, a criar sóis verdes. Faço música de papel à janela e penduro-a, cheia de sonhos suspensos, algo de leve e ao mesmo tempo tão vagaroso, parar a chuva milímetros antes de ela adormecer na nossa cara. Fugi oficialmente, sendo um grão de açúcar, apenas movida pelo vento. Até breve.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Acordos Ortográficos

trago livros na minha mala, comigo na minha alma,
chocalhando de saberes e sorrisos
e lágrimas que não souberam cair.
vão cheirando a beijos-de-lavanda, palram qualquer coisa,
qualquer coisa na língua livrística,
desandar como quem anda,
como quem vê as horas como um recorte irrecortável;
e suspiram as reticências em chamas, páginas sendo pestanas, meias voltas, um qualquer outro fim.

domingo, janeiro 03, 2010

Alquimia, estranha alquimia


Senta-te, puxa uma cadeira.
(olá)
De sapatos perfeitamente apertados, laços daqueles de seda invejáveis, uns olhos profundos evocando o mar, porém apressados, estranhamente arrumados.
(os teus olhos são tão arrumados)
Ombros encolhidos, lábios acanhados, de gestos reduzidos. Apenas levava consigo uma mala de mão castanha escura, velha.
(continuo a escrever porquê?)
Chamei-te porque não te conheço. E nem te quero conhecer, quer dizer, não me leves a mal nem nada mas... chamei-te por não te conhecer, nem sequer o teu nome sei, e sabe-me bem este vácuo entre nós.
(nem queiras saber)
O desconhecido... sabes, estamos aqui os dois sentados. E é isso, não há nada a dizer, nada que nos una, nenhuma explicação a dar, não tenho nem te sei dizer algo que te possa consolar, nada teu que seja meu também e logo que seja nosso. Somos dois desconhecidos sentados, e eu estou a dizer-te o que penso. O que penso em relação a nada, a um desconhecido mágico, mas lá no fundo não é sobre nada, falo-te por instinto, sem pensar antes, porque não me conheces. Não tenho de ser eu, ou pelo menos o eu que toda a gente conhece, já viste? Posso ser o eu desconhecido que só tu conheces. O teu meu eu desconhecido.
(porque é que eu nunca acabo nada?)
E há uma certa paz agora e aqui. Porque não sabes nem um único pormenorzinho sobre mim! E eu... e eu sobre ti sei que estou a olhar-te e sinto calma, olho para ti e esboças esse sorriso devagarinho, não dizes nada, parece que constróis palavras invisíveis sobre plataformas flutuantes. É engraçado o que se descobre nas palavras não ditas. Eu não me apresentei, tu não disseste os teus objectivos de vida, as tuas fobias, a tua viagem de sonho... Eu e tu não seguimos o protocolo formal do saber. Saber de alguém, essa ciência mais que científica, mais que complicada.
Acho-te uma gradação de serenidade, sabias? Olha-se para ti e sente-se calma. Olha-se para o teu sorriso e sente-se um sossego tremendo. E depois... olha-se para o teu olhar, e sente-se uma quietude irreal.
(chama-me maré sem tempo)
Reparei que estás a escrever... Serás tu escritora, ou estarás apenas a escrever-te? A escrever-nos? Acho que pareces perceber muito de palavras. Como se as conhecesses muito bem. Mas também, não é preciso conhecer alguém para o perceber muito bem, certo? Tenho saudade do mar, de quando a vida era mais do que as cusquices diárias que cobrem a boca da multidão, era eu e o mar. Como estou agora contigo! Eu e as rochas, a areia serpenteante debaixo dos meus pés descalços, conchas quebradas formando uma autêntica pintura impressionista. Eu e nada me respondia, nada me falava. Tu não me respondes. Brincas com as ondas do teu cabelo, escrevinhas qualquer coisa no caderno que tens ao colo, de vez em quando olhas-me seriamente tranquila, mas nem um som vindo da tua linguagem, dos beiços da tua alma, é que nem a tua expressão muda. Esse teu brilho sorridente.
(fechei os olhos, há coisas que só se vêem de olhos fechados)
Lembro-me quando era miúdo, o meu pai tinha uma casa na praia, branca fresca livre. A areia era branca, o vento era fresco e eu era livre. Aquele ambiente era inexplicável. Depois do alpendre viam-se dunas ao longe que pareciam levitar por cima daquele manto azul esverdeado, havia pegadas de gaivotas por todo o lado, depois de almoço costumava ir para as rochas, lá para as poças criar fortalezas de areia molhada ou correr atrás de caranguejos mais desconfiados. Muitas vezes permanecia imóvel como um pôr-do-sol, naquele espacinho em que a pontinha dos dedos do mar tocam a nuca da areia, fogosos segundos com a pressa de um fósforo.
(quem és tu?)
Pareço um papagaio, não me calo e tu aqui aturares os meus «papagaianços». Achas que um dia vou escutar a tua voz? Tenho de ir minha desconhecida escritora serena. Ainda bem que vieste... era isto que me faltava, alguém que me escutasse, alguém que soubesse do desconhecido, e conhecesse palavras delgadas, tão pequeninas, tão imperceptíveis que mal se ouvem, mas sentem-se tanto. Obrigada. Espero voltar a não te conhecer, um dia...
(foste o primeiro a ouvi-la).