sábado, janeiro 29, 2011

dubiamente.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Didascália

Nunca sei que porta hei-de tomar no elevador. Porque há sempre duas, uma fechada outra aberta. Duas, dentro de um elevador. Eu entro no elevador por uma porta e à minha direita há sempre a outra. Abro uma porta, entro, volto a fechá-la, subo três andares, viro-me para a outra porta, abro-a, saio e fecho-a. Fecho-a, à outra. 
- Guarda o bilhete.
Existe tensão no papel. Ali há paixão de quem ama as coisas só por as amar.
- Deita-te na cadeira e adormece.
O soalho range, a sala fala. Tem-me cheirado sempre a frio ultimamente. O metro atrasa-se, a cidade atravessa-nos desmedida, e há uma garrafa no chão, passo sempre pelo mesmo vulto, passo sempre pela mesma montra, é engraçado porque penso sempre o mesmo; porque é que não mudam aquele anúncio, porque é que não ajudam aquele vulto, porque é que não se tira a garrafa do chão, foi o metro que se atrasou ou fui eu?
-Estás no chão. Agora sê. És o que sentes com tudo o que te trespassa e abrange, ou não. Sê.
Quase que oiço com as mãos o soalho a rangir, a rir, crispadamente, que desassossego. É um tronco de árvore deitado ao meu lado, deitado em mim. Costumo acreditar nestas alturas, nestas volúpias momentâneas que se desenlançam por cima da minha voz, e ficam ali, na tensão do papel, no frio que se instala nos nós das mãos e que nos obriga a fechá-las. Entre as palavras que anoto distraidamente à margem da folha e as que não escrevo, não há nem existe espaço. Abro a outra porta, entro, volto a fechá-la, desço três andares, viro-me para uma porta, abro-a, saio e fecho-a. Fecho-a, à uma.