terça-feira, julho 06, 2010

Os espantalhos também sonham

O vento dá-me vida, mas não me dá o que quero. Queria ser pássaro e assim poder morar nas nuvens. Queria ser voo, mas o vento não me leva com ele. O meu nome é... espantalho. Desculpem a hesitação é que não sei quem são meus pais, logo não sei o meu nome,  de vez em quando espanto pardais e afago borboletas, gosto de pensar que o mar e o céu me adoptaram, afinal são os que preenchem o meu horizonte dia após dia... Penso para mim às vezes baixinho, que se calhar, com muita sorte, ainda sou parente de alguma árvore; tão majestosas e serenas... quietas. Só não espantam é nada, a não ser pela beleza. Pela beleza que é óbvia, árvore, casa de ave, santuário da liberdade, do chilrear, palrar, tagarelar, ai amar o mundo com duas asas! E comigo não é assim. O meu nome é espantalho. Espantalho é nome que se tenha? O nome, supostamente, devia-nos identificar, fazer com que sejamos reconhecidos, respeitados. "Olha lá vai o espantalho!", digam lá,  se isto tem ponta por onde se lhe pegue? O meu nome é espantalho, sim, e tenho um saco de batatas a servir de camisola, uma fita de plástico no cabelo, um chapéu de palha pardacento, o meu corpo são duas tábuas de madeira cruzadas, tipo cruz (que apropriado), rígidas, ásperas, cheias de pregos que me fazem comichão, e a fita de plástico todo o dia "chhhhhhhhhhhh chhhhhh", a chiar a chiar, a afugentar tudo. E sendo assim, já nem profissão tenho. Uma fita de plástico, com menos de dez centímetros, faz melhor o meu trabalho. Espantar espantar espantar. Diz-se que se dissermos algo que queremos muito muito muito, alto e três vezes, concretiza-se mais rápido... Mas eu sou assim, um espantalho que não gosta de espantar, que não gosta do silêncio da tarde e da noite (ao amanhecer os pássaros acordam-me com música)... Que não gosta de estar vinte e quatro horas por dia parado, no mesmo sítio, sem poder mexer um dedo. Oh, mas sabem lá vocês de espantalhos. Os espantalhos sonham, e sorriem, e também se sentem tristes, apaixonados, com medo, os espantalhos também sentem! E mentem... Os espantalhos têm alma, ouviram? Ah, e sim esqueci-me de confirmar, os espantalhos também falam. Espantalhês, claro. Como correr atrás do que quero, se nem pernas tenho? Como querer abraçar alguém, se as minhas mãos são farripas e os meus braços têm pregos ferrugentos por todo o lado? Como amar? O mundo a vida as cores a correria a família... Queria ser como o baloiço e parar o tempo. Inclinar-me para trás e não cair. Esticar-me para a frente e tocar com a pontinha dos dedos dos pés no mar, depois no pôr-do-sol, depois no céu, depois nas nuvens...
O meu nome é espantalho e o meu sonho é viver.
I'll take care of you, take care of you, that's true...

Beach House Beach House Beach House (:

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