segunda-feira, setembro 12, 2011

5302

A casa cheirava a velho e a baús de tesouros. A senhorita Feliciana pensou, recostada no seu cadeirão, que a partida podia ser, de facto, quiçá, uma potencial saída. Nada torna nada menos vazio. Aqui é o que se diz. Ainda oiço, o telefone toca, mas eu não atendo porque tu sabes, acho que sabes, eu sinceramente odeio falar ao telefone. Gosto de livros plastificados. Livros com boas encadernações são o tesouro do mundo. A senhorita Feliciana apaga as velas do bolo. É uma receita antiga, a do bolo, com nóz, amêndoa, cenoura e pirititis como o cozinheiro António diz. Aqui diz-se muitas coisas, ao deixar cair os ombros dei numa de Sófocles e perguntei, Mas o que raio são pirititis? A senhorita Feliciana meditou, havia muito barulho naquela sala, e então respondeu-me, É magia, com nós, amêndoa, cenoura e pirititis. Talvez tenham razão. A senhorita Feliciana chorava. É por haver tantas pessoas ali que a amam que se torna mais difícil dar o benefício da dúvida aos meandros da vida. A senhorita Feliciana chorava só para mim. Não te acho louco. Acho-te com alma. Lisboa a arder e nós sentados. Posso? Claro, eu ia já sair. As janelas embaciadas e nós a ver o espectáculo. Ou foram as labaredas dos dedos a fugirem pelo papel que nos queimaram... E nós sentados.

Sem comentários:

Enviar um comentário