Gostava de voltar a escrever.
Quando não pensava sequer duas vezes na palavra prestes a pintar,
Quando a atirava contra o papel salpicada, ilegível, quando não a percebia.
Gostava de escrever outra vez, daquela maneira,
Quando não percebia as palavras mas elas percebiam-me a mim.
Eu gosto. Quando cruzo as pernas,
Apanho o cabelo num gesto desajeitado
Com o caderno deitado sobre mim.
E as palavras lá, a dançarem ao som do nada.
A dançarem comigo. Não danço há séculos.
Eu gostava quando elas me percebiam
Quando beijava o papel e elas assim acordavam,
De dias e noites em que não ia até ao meu inferno.
Ao meu doce inferno de palavras
Que incendiava o papel
Em chamas viradas do avesso.
Agora trocámos (mais ou menos) de papéis.
Agora penso pelo menos cinco vezes
Antes de atirar a palavra contra a tela.
Penso tanto que, na maior parte das vezes,
Acabo por não salpicar nada
E deixo a parede em branco,lisa.
Continuo sem as perceber
Mas elas também já não me percebem a mim.
Já não dançam comigo.
Já não se encostam aos meus lábios.
O nosso beijo esfumou-se
Lenta lenta lentamente,
Como o nevoeiro ao longe...
Já não sabem de nada.
Já não sabem a nada.
As palavras já não sabem de mim.
Não tenho ido ao meu inferno
Onde elas me revelavam
Onde elas gritavam por mim.
Gostava que elas falassem, outra vez.
Demasiado verdade...
ResponderEliminarAs palavras dizem demasiado...
Pesam demasiado...
Nós percebemos muito pouco o que elas carregam...
Quem escreve as palavras aprendeu a escrever...
Quem pensa controlar o que escreve é escritor...
Quem seente as palavras está vivo...
Quem deixa que as palavras o escrevam a si é artista...